Quem sou eu

Minha foto
Desejam falar comigo? *Escrevam seus comentários, que assim que puder, entrarei em contato. Eu não uso outlook.

Pelo mundo

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Índice geral dos capítulos

Capítulos
:: 1 :: 2 :: 3 :: 4 :: 5 :: 6 ::

Tudo por um Amor Imortal-Capítulo 1 (experiência de um roteiro)


(Templo de Afrodite: Afrodite vê Psique sendo aclamada como deusa da beleza, através de sua fonte mágica e fica furiosa com a blasfêmia envolvendo o seu nome).
— Oh, infâmia! Profanação! Como ousais, tolos mortais, acreditar que uma donzela tão mortal quanto vós, seja a minha encarnação? E tu, tola princesa, como tens a coragem de acreditar que sois tão bela quanto eu e permitir que vos aclamem?
(rosto de Psique nas águas da fonte)
Hás de me pagar por tal afronta e irás amaldiçoar o dia do teu nascimento.
(Jardim de Afrodite: Eros está do lado de fora, flutuando próximo à uma macieira mágica e comendo de seus frutos, quando Afrodite vem até ele para conjurá-lo).
— EROS!!! — grita a deusa enfurecida.
— (piadinha visual: Eros engasga-se com o susto) (glup!) Lá vem bronca!
(Eros vira-se e vê a mãe sobre uma nuvenzinha branca, com uma esfera de luz nas mãos).
— Vede, filho meu! Contemple a rival de vossa mãe!
— UAU! QUE GATA!!!
(piadinha visual: a deusa bate nele e Eros aparece com um baita galo na cabeça)
— Não fuja do roteiro! Amadores... — critica Afrodite.
* voltando à cena...
— Castiga, meu filho, esta audaciosa beleza; assegura à tua mãe, uma vingança tão doce quanto foram amargas as injúrias recebidas. Infunde no peito daquela altiva donzela uma paixão por algum ser baixo, indigno, de sorte que ela possa colher uma tão grande mortificação quanto o júbilo e o triunfo de agora. Como fizeste com Apolo e Daphne. — ri diabolicamente.
(piadinha visual: Eros sai pisando duro e reclamando)
— Tudo eu! Tudo eu!

(Quarto de Psique: Eros chega ao quarto de Psique. Já é noite alta e ela dorme serenamente. Eros se encanta mais ainda com a sua beleza pessoalmente).
— Não acredito que minha mãe me invocou para fazer tamanho mal à criatura tão bela! A donzela dorme como uma ninfa suave e cálida! Bom... mas ordens, são ordens e não posso desobedecê-las.
Eros tira de sua bolsa de couro, um ratinho do campo preso e um pequeno frasco. Frasco onde ele havia recolhido, um pouco das águas amargas da fonte da desventura dos jardins de Afrodite; líquido cristalino e brilhante, que ele derrama sobre os lábios da jovem adormecida. O tom do líquido é cor-de-cobre e, enquanto toca os lábios róseos da bela princesa, Eros profere algumas palavras mágicas.
— Gotas de amargura e desgosto... lábios até então, doces como o mel, tornem-se fel. Agora... o toque final...
Eros coloca o ratinho, de modo que ele seja a primeira coisa a ser vista por ela, assim que Psique abrir os olhos pela manhã. Deste modo, inevitavelmente ela iria se apaixonar pelo pequenino roedor e a vingança de Afrodite estaria concluída.
Mas... quando ele leva a mão à aljava, para retirar uma das flechas do amor e atingir-lhe o peito alvo, Psique ameaça acordar com o gosto estranho da solução em sua boca e o assusta, no que ele, descuidado, fere-se em uma das flechas encantadas.
— Ai! Minha mão! Não!!!
(Psique acorda ao ouvir o grito e o barulho de algo pesado caindo no chão. Eros esconde-se rápido).
— Héim!? O que foi isso? — pergunta meio sonolenta.
(Psique olha para o chão e vê o seu vaso de flor quebrado, um frasco pequeno com algumas gotas reluzentes, uma pluma branca como a neve e o ratinho debatendo-se desesperado dentro do cativeiro sobre a escrivaninha, à sua frente).
— Oh! Um ratinho do campo? Quem te prendeu assim pobrezinho? — exclama preocupada e o solta — Pronto, amiguinho... Estás livre! Volte ao campo, onde é o seu lugar.
(Eros aparece escondido).
“— Eu não posso olhá-la! Não posso...”— pensa desesperado, mas Eros não resiste e olha para ela. —“ Ai, não! O que eu fiz?!!”
(O coração dele dispara e se enche de desejo pela bela jovem).
— “ Por Zeus! Fui vítima de meu próprio sortilégio! Que infortúnio, oh deuses!...” — concluiu apaixonado.
Eros espera até que Psique adormeça novamente para conseguir partir, mas, enquanto isso, deleita-se com a visão tão adorada de sua paixão.
Ela demora um pouco, porém, antes do dia amanhecer, Psique adormece.
Eros parte e, desesperado, pensa em desfazer a maldição imposta de maneira tão cruel à sua amada.
(Templo de Afrodite: Eros conta à sua mãe, sobre sua inesperada paixão e a deusa fica possessa).
— O quê?! Como te atreves, filho meu? Como pudeste ser tão descuidado e apaixonar-te logo pela minha rival?
— Foi uma desventura, minha mãe e reconheço que provei do meu próprio veneno. Mas tenha piedade, bondosa Afrodite! Permita-me desfazer a maldição!
— Não! Que ela sofra pela beleza que possui. Não conseguiste fazer com que ela se apaixonasse pelo roedor, mas pelo menos, nenhum homem será capaz de amá-la e se tentar, a minha ira cairá sobre ele! Não poderia haver uma vingança melhor do que esta poderia? — comenta a deusa satisfeita — Ela ficará só para o resto da vida e jamais conhecerá o amor.
— Então... pelo menos aceite que eu a despose!
— Como?! Isso NUNCA!!! Tu és um deus e deuses não contraem núpcias com mortais!
— Não te importas que eu, teu filho, sofra? — fala Eros às lágrimas.
— Problema vosso! Quem mandou ser tão descuidado? Sofra! Pois minha permissão e benção sobre estas núpcias, não a terás! JAMAIS !!!!
(Afrodite sai e o deixa com seus pensamentos).
“— Se não queres abençoar-me, pouco importa... Eu vou desfazer a maldição e hei de casar-me com ela, com ou sem o teu consentimento...”.

E o tempo foi passando... as irmãs de Psique se casaram com dois príncipes poderosos e ela, nenhum pretendente. Os pais começaram a ficar preocupados, pois pretendentes surgiam tempos atrás, mas todos morreram de um modo inexplicável. Logo... espalhou-se a notícia de que a princesa Psique era amaldiçoada e ninguém mais queria desposá-la.
(Quarto de Psique: Psique amargurava a sua sorte e amaldiçoava a sua beleza, que continuava arrancando louvores, mas era incapaz de despertar o amor de um homem).
Agoniado por ver o sofrimento da amada, Eros começou a agir...
Disfarça-se o deus sob a forma de uma mendiga e bate à porta do castelo dos reis. E os reis, bondosos como eram, deram abrigo à pobre senhora e, durante a ceia, desabafaram sobre a filha solitária que vivia enclausurada em seu quarto.
— Por que não a levam ao oráculo, para saber o motivo de tanto sofrimento? Talvez os deuses possam ajudar! — sugeriu a mendiga.
— É mesmo! O oráculo dos deuses! Por que não pensei nisso antes? — reconheceu o rei.

E os monarcas seguiram o conselho da misteriosa velhinha que, assim como surgiu, desapareceu misteriosamente.

— O oráculo dos deuses diz: “A virgem não se destina a ser esposa de um amante mortal. Seu futuro marido a espera no alto da montanha dos ventos. É um monstro, a quem nem os deuses e nem os homens podem resistir”. — diz o sacerdote de Delfos.
— O quê?!! — assusta-se o rei.
— NÃO! — grita a rainha, agarrando-se à filha — Oh! Minha filha!!! Minha pobre filha! — lamenta-se amargamente.
— Esta é a vontade dos deuses. — encerrou o sacerdote de forma cruel.
— Por que me lamentais, queridos pais? — diz Psique conformada — Deveria antes ter sofrido, quando todos me chamavam “Afrodite”. Percebo agora, que sou vítima deste nome. Resigno-me e aceito o meu destino.

(No templo de Afrodite: Eros está enfurecido...)
— Por que fizeste isto, minha mãe? Como pudeste manipular o oráculo assim? Acreditando que sou um monstro, ela jamais irá me amar!
— Pensavas em trair-me, não é Eros? Querias passar por cima de mim. Logo eu... a deusa do amor? Aproveito o ensejo e faço-vos um desafio, já que acreditas ser mais esperto do que eu: se conseguires conquistá-la e ganhar-lhe a confiança, embora Psique acredite estar casada com um monstro — e tudo exijo que faças para que ela creia nisto — prometo abençoar vossas núpcias. Agora... se em algum momento, Psique duvidar de ti e de teu amor, e sentir medo, eu vos separarei para sempre.
— Ela vai me amar! Tenho certeza! — teima o deus.
— Pois bem! Está feito! Jure que irá separar-se dela se eu vencer! PROMETA!
— Eu prometo. E vou vencer. — promete Eros de modo impensado.
— Veremos. — duvida a deusa, confiante na vitória.

(Montanha dos ventos: Psique encontra-se à beira do grande precipício do monte, acabara de despedir-se de seus pais e agora, estava só e desolada. Lágrimas corriam de seus olhos. Por uns instantes, ela pensou em mergulhar no fundo do abismo para que, assim, não fosse obrigada a desposar o terrível monstro; só que faltou-lhe coragem).
— Não faças nada do que possas arrepender-se depois, senhora. — diz-lhe uma voz suave e doce.
— Zéfiro?! — assusta-se Psique.
— Por que choras, doce donzela? — pergunta-lhe o doce vento-oeste com um sorriso.
— Porque o meu coração está afogado em tristeza. Não sei como será quando...
— ...encontrar vosso marido? — Zéfiro complementa. — Pois vos digo: não temais. Confiai em vosso coração, e mui venturosa serás. Venha, bondosa menina. Eu vos levarei até ele.
Zéfiro faz Psique dormir e a leva suavemente até um prado verdejante e florido.
Quando ela desperta, vislumbra diante de seus olhos surpresos um imenso palácio todo feito de ouro e pedras preciosas.
— Parece o templo de algum deus. — comenta admirada.
— Este é vosso lar agora. — responde-lhe Zéfiro — Adeus, bela dama. Seja feliz.
O vento-oeste despede-se e parte suave pelos prados.
Psique aproxima-se cautelosa e tenta abrir a porta, mas antes de tocá-la, esta se abre lentamente, como se alguém já esperasse por ela. Perecia mágica.
Dentro do palácio, a riqueza não deixava a desejar em relação à parte externa.
E ela ficou mais encantada, quando percebeu que servos invisíveis arrumavam uma suntuosa mesa de jantar, com os pratos mais variados. Parecia um jantar dos deuses, como poderia se dizer atualmente.
— Bem-vinda, senhora. — saudou uma voz feminina que vinha do nada — Oh... não se assuste, alteza! Nem precisa temer-nos. Estamos aqui para oferecer-lhe nossos préstimos e fazer-lhe companhia até que chegue a noite escura.
Uma taça de vinho, dos mais suaves e saborosos, veio até Psique pousando docemente em sua mão. Depois, outras mãos misteriosas começaram a despi-la, como se fossem aias a cuidar de sua senhora.
— Vamos preparar-lhe um banho morno e relaxante! — riram as vozes juvenis.

Capítulo 2


Após o banho, as vozes voltaram e puseram-se a arrumá-la. Vestiram-na com os trajes mais ricos e finos. Logo, Psique estava pronta e linda.
— O quê?! — assusta-se Psique ao ver-se pronta com tanta rapidez.
— Vosso marido ficará encantado com tanta formosura, senhora! — brinca uma das vozes, mas Psique ficou triste.
— Por que estás tão triste, jovem princesa? — comenta a mesma voz.
— Nada. — gagueja Psique, lembrando-se das palavras do oráculo.
Uma pergunta veio à cabeça dela na mesma hora e as vozes lhe responderam, como se lessem os seus pensamentos. Psique ficou mais surpresa depois disso.
— Vosso marido só virá ter convosco à noite, quando a escuridão favorecê-lo e não causar-lhe tanto espanto.

(Quarto do casal: Já era bem tarde e Psique não conseguia dormir. Estava apreensiva porque, até agora, nem sinal do monstro que a desposaria e este, poderia chegar a qualquer momento. Talvez, no fundo, ela desejasse que ele não viesse, mas... quando a madrugada ia adiantada, Psique ouviu um bater de asas...).
— “ASAS?!!” — pensou assustada, temendo o que poderia ser.
Ela puxou a coberta até a altura de seu pescoço e encolheu-se toda. Pela janela, uma figura alada e sombria entrou no quarto. Psique sufocou um grito em sua garganta e começou a tremer de medo. Ele tratou de acalmá-la:
— Não temais, querida Psique. Não vos farei mal algum. Mesmo porquê, não poderia por amar-vos tanto!
Pela voz suave, Psique duvidou que ele fosse um monstro, mas as asas em suas costas, deixavam-na desconfiada.
— Beba isto. — pediu ele tirando de uma bolsa um outro frasco pequeno.
Antes de ter com a esposa, Eros passou pelas duas fontes do jardim de Afrodite, mais uma vez, e recolheu um pouco da água da fonte da alegria e guardou-a consigo. Aquele líquido, dourado em sua cor, quebraria o efeito da fonte da desventura e a maldição, seria desfeita.
— O que é isto? — pergunta a virgem desconfiada.
— Se beberes desta água, a maldição imposta sobre ti será quebrada. — explica Eros.
(Psique obedece).
— Bem... vejamos se funcionou...
Eros atraiu-a para junto de si e beijou os lábios da jovem com paixão. Psique estava paralisada, mas entregou-se ao beijo; ao seu primeiro beijo. Foi um beijo longo e ardente, porém... não passou disto naquela noite. Eros sabia que Psique tinha medo dele e por isso, deveria ser bem cauteloso com ela, para não causar-lhe desconforto e aos poucos, ganhar-lhe a confiança.
— Ei! Aonde vais? — pergunta a jovem confusa.
— Deixo-vos, para que não vos cause desconforto, pois sei que sentes medo de mim. — explica-lhe docemente — Adeus, meu amor.
Ele se despede e parte rápido, da mesma forma que chegou: pela janela aberta.
E toda noite, a mesma hora de sempre ele chegava, beijava-lhe os lábios e, com o passar das noites, foi intensificando as carícias, até torná-las mais ousadas, na medida que Psique permitia. Aos poucos, foi envolvendo-a no amor intenso que sentia por ela e a deixava sempre, com mais desejo de amar e de ser amada por ele.
— Por que faz isso comigo? — passava a comentar contrariada — Me envolve tanto, me deixa ardendo em desejo, para depois partir... Por quê?
— Um dia, tu me pedirás para ficar e eu, ficarei... e sem o menor temor, hás de se entregar a mim e eu, farei de ti minha verdadeira esposa e senhora de minha vida e o amor, estará sempre presente entre nós. — disse o misterioso amante, despedindo-se mais uma vez.
Com o tempo, Eros deixou de aparecer algumas noites, para atiçar-lhe a saudade e a inquietude. Numa semana, era uma noite sim e outra não; noutra, só aparecia uma noite e ficava duas noites sem vir. E como tinha imaginado, Psique começou a sentir demais a sua ausência e nas noites que ele não aparecia, Psique chorava de saudade. Pelo menos assim ela acreditava; porém, Eros sempre esteve com ela, mas mantinha-se escondido para ver-lhe as reações.
Então... numa bela noite, depois de cinco dias seguidos sem vê-la, Eros chegou e numa atitude desesperada, Psique atira-se em seus braços.
— Achei que não me amasses mais. — chorava ela sentida — Por que me abandonaste assim?
— Eu jamais iria abandoná-la, minha amada! Achei que um tempo longo vos ajudaria a refletir...
— Não faças mais isso! Por favor... — ela faz uma pausa e depois, confessa — Eu te amo, meu senhor. Jamais me deixes. Fique comigo esta noite... eu quero ser tua esposa de verdade... — sussurra apaixonada.
Eros sorriu feliz. Psique estava pronta para ele e ele, com o coração disparando, fez dela sua esposa. Naquela bem-aventurada noite, ambos se amaram como marido e mulher. Nada para Psique importava mais, nem que ele fosse o pior dos monstros. Nos braços dele, ela esqueceu todas as lágrimas que vertera tempos atrás e Eros, como deus do amor que era, despertava nela as mais doces sensações, por ser um amante ardente e apaixonado.
A cada união íntima, Eros irradiava a sua energia e Psique, recebia a essência do amor em seu regaço. Mas quando o Sol começava a nascer no leste, Eros levantava-se antes e partia, deixando-a mergulhada em sono profundo.
Pela manhã, na hora que Psique sentia o sol, ela abria os olhos e procurava por ele, contudo, o seu senhor já estava longe e só voltaria à mesma hora de sempre. Psique ficava contando as horas, ansiosa para vê-lo outra vez ao cair da noite. E todas as manhãs era a mesma coisa; Eros partia cedo e Psique ficava só, o resto do dia, apenas em companhia dos criados mágicos; o dia parecia uma eternidade para ela, mas quando a noite se aproximava, Psique parecia outra pessoa. Pois sabia que seu companheiro estava perto de chegar e logo iria cubrir-lhe de carinhos e mimos.

(Templo de Afrodite: Através de sua fonte mágica, a deusa soube que ambos tinham se entregado um ao outro; pois não há nada em relação ao amor que ela não saiba, seja em relação aos homens ou aos deuses; o que causou uma fúria incontrolável na invejosa e orgulhosa deusa).
— Maldição!!! Esta mortal não merece o amor de meu filho! Ela não pode me derrotar! Nem pelas minhas rivais, Hera e Atena; cujo julgamento daquele pastor chamado Páris, concedeu-me a palma da beleza, eu fui derrotada! Como pode então, uma menina tão insignificante como ela, obter vitória sobre mim e conquistar o amor com tanta facilidade? Eles não serão felizes! Não permitirei!
Julgando-se vencedor da prova, Eros foi até Afrodite para persuadi-la a abençoar-lhes a união, porém... ela se negou.
— Ainda é muito cedo para abençoar-lhes. Ela ainda não provou que confia em ti. — desconversava Afrodite, tentando ganhar tempo.
— Mas ela já confessou que me ama! — replicava o deus.
— Ainda não é o suficiente.
Quando Eros deixou o templo de sua mãe, Afrodite começou a arquitetar um terrível plano para separá-los. Começou a usar a seu favor, o sentimento que os unia e fez com que Psique sentisse uma vontade louca de ver-lhe o rosto. O que não seria difícil, porque qualquer mulher, na mesma situação que ela, desejaria conhecer aquele amante tão ardente e que a fazia tão feliz a cada noite; não porque o julgasse um monstro, mas por mera curiosidade. Contudo, Eros não poderia mostrar-lhe o rosto, pois estava preso ao juramento que fez à sua mãe.
— Por que partes tão cedo e não me deixas ver teu rosto? Quero tanto ver-te! — pedia ela.
— Por que queres me ver? Duvidas de meu amor? Tens algum desejo que não foi satisfeito? Se me visses, talvez iria temer-me, talvez adorar-me, mas a única coisa que peço é que me ames. Prefiro que me ames como igual, antes que me adores como um deus.
— Ah, por favor! Só uma vez!
— Não. Não posso fazer isso.
Tais argumentos aquietaram Psique por uns tempos; mas... com o passar dos dias, uma saudade incontrolável de suas irmãs e da família, apoderou-se de seu coração. Saudade esta imposta pela própria deusa que, de seu templo, atormentava Psique. Ela sentia-se muito só durante o dia e só de noite, seu senhor chegava para aliviar-lhe a solidão. Mas nem por isso, esquecia a saudade que lhe feria o peito. E Eros reparou que ela sentia alguma coisa, só que para não atormentá-lo, Psique nada dizia.
— Diga-me, querida. O que sentes? Pois percebo que desejas falar-me algo, mas ao mesmo tempo, evitas e desconversas sobre o fato.
— É impressão sua, meu querido...
— Não é, Psique... eu te conheço. Algo está a atormentar-lhe a alma.
— Acho que realmente me conheces, meu senhor... mas não é nada!
— Conte-me o que te afliges, não me esconda nada. Acaso não confias em mim?
— Não, é claro que confio! — retruca-lhe aflita.
— Então, me digas o que tens. Talvez eu possa ajudar-te...
— És tão bom para mim, que eu não ousaria, meu senhor... mas; já que insistes...
— Pois fale.
— É que... passo o dia inteiro em companhia dos criados invisíveis, sem ninguém para conversar... Tu só me apareces à noite, porém, o resto das horas... — ela faz uma pausa — Sinto-me tão só à luz do dia!
— E por que não passeias pelo belo prado diante do templo; entre as flores do campo... Oh, bela Psique! Tantos dias enclausurada estão roubando-lhe o rubor das faces! Saia um pouco... não sois minha prisioneira.
— Mas não é só isso! Sinto saudades dos meus pais e das minhas irmãs.
Eros fica intrigado e confuso. A idéia não lhe agradara muito, uma vez que um encontro com a família, a esta altura, poderia reavivar-lhe antigos temores com as perguntas que lançariam sobre ela. Por outro lado, vê-la tão deprimida também, não era nem um pouco agradável para ele. O que fazer, então?
— Espere uns instantes, querida Psique... Preciso pensar um pouco.
— Aonde vais? Ficaste ofendido, não é? Oh, porque fui abrir minha boca?!
— Eu não estou ofendido, meu amor. Não pense numa coisa dessas. Eu só preciso de um tempo para decidir o que fazer, só isso.
Eros sai e enquanto passeava sobre uma planície próxima, foi surpreendido por uma risada sonora e debochada, que ele conhecia muito bem.
(Afrodite aparece sobre a costumeira nuvenzinha)
— Mãe?!!
— Estás com medo, meu querido? — provoca a deusa — Tu não me disseste, em nosso último encontro, que a tola mortal te ama? Que confia em ti?
— Não me enche! — grimpa o deus irritado.
— Não fale assim comigo! Respeite-me, pois sou tua mãe!
— Pois saiba que eu não tenho medo! Psique me ama!
— Bem, se tens tanta certeza assim, não vejo porque não permitir que ela veja a família! — provoca-lhe mais ainda — Quem sabe esta não seja a última prova que reste, para convencer-me de que os sentimentos da tola princesa por ti são verdadeiros? Se assim for, finalmente poderei abençoá-los! — desafia Afrodite.
— Queres esta prova? Pois bem! Terás esta prova! — retruca o deus.
Afrodite desaparece, às gargalhadas, sob uma nuvem reluzente e dourada.
Eros invoca Zéfiro no mesmo instante.
— Chamou, meu irmão? — disse-lhe o vento-oeste.
— Sim, meu amigo. Quero que partas e busque a família de Psique. Traga-os para cá, como fizeste com ela. Psique está sentindo muita falta deles e eu não suporto vê-la tão triste.
Depois de um tempo, Eros volta e encontra a esposa acordada e inquieta.
— Ainda não dormiste? — espanta-se ele.
— Eu não consegui dormir. Estava preocupada contigo.
— Psique, prepare uma excelente recepção amanhã. Terás visitas. Visitas que desejas tanto... — sorri o companheiro da jovem.
Ela entendeu a mensagem e o abraçou, radiante de felicidade.

Capítulo 3



No dia seguinte...
— Como?! Psique irá receber-nos em seu castelo? — pergunta a rainha.
— Pelos deuses! Então nossa filha está bem! — vibra o rei, uma vez que acreditava piamente que Psique não estivesse mais viva; que já tinha se transformado no alimento do tal monstro.
— É claro que a jovem está viva! — retruca Zéfiro — O que pensaram afinal? O senhor de vossa filha é um ser de muito bom coração, fiquem sabendo! — defende-lhe o vento-oeste — Ele é... — Zéfiro tapou a boca. Quase falara demais.
— Mas não foi isso que o oráculo dos deuses disse. Lá, soubemos que ele seria um monstro terrível. — teima o soberano.
— Ora! O meu recado está dado! Não posso perder mais tempo, preciso convidar as vossas outras filhas! Estejam preparados sobre a montanha dos ventos, pois voltarei para buscá-los.
E assim fez Zéfiro. Buscou as irmãs de Psique e os reis, e conduziu-os ao templo, onde Psique morava. Psique recebeu-os com grande alegria.
— Papai! Mamãe! Minhas irmãs queridas!
— Psique! — a rainha abraçou-lhe — Oh... deixai-me vê-la! Estás linda, minha filha! — coruja ela.
O rei olhava admirado para o rico palácio.
— Este palácio é mais rico do que o meu!
— Isto não é um palácio. É um templo. — explica-lhe a filha.
— Um templo?! — disseram todos juntos.
“— Para isto ser um templo... então o marido de Psique é...” — desconfia uma de suas irmãs, sentindo uma certa inveja da sorte da irmã mais nova, no que Afrodite aproveitou para colocar, mais uma vez, o seu dedo na história.
(No Templo de Afrodite)
— Isso mesmo, princesa... Sua irmã mais nova tem mais sorte do que vós... — sussurrava a deusa, aumentando-lhe a inveja — Tu desposaste um marido mortal, mas ela, desposou um deus.
Sua irmã mais velha começou a sentir claramente, em seu coração, aquela voz feminina que incitava mais ainda a sua inveja e falou com a outra.
— O quê?! Um deus? Psique desposou um deus? — admira-se a outra — Não pode ser! Deve haver algum engano! O oráculo disse que ele seria um monstro!
— Mas não é. Todos nós fomos enganados.
— Daí se explica tanta felicidade. Ela já deve saber disso. — observa a outra irmã, a filha do meio do casal — E todos nós preocupados com ela...
— Será que ela sabe? — duvida a mais velha.
— Ei! Irmãs! Não fiquem aí paradas! Venham aproveitar o que vossa irmã tem para vos oferecer! — chama-lhes Psique alegremente e começou a puxá-las para dentro.
E a inveja tornou-se mais forte quando viram toda a mágica do lugar.
— São servos invisíveis! — assusta-se uma das irmãs.
Psique bateu palmas e logo, as mesmas vozes que a arrumaram para sua primeira noite vieram atendê-la.
— O que desejais, senhora? — diz uma delas sorridente.
— Creio que minha família esteja cansada da viagem e por isso, desejam refrescar-se. Preparem banhos relaxantes para todos; quero que se sintam em casa.
— É pra já, senhora! — disse-lhe a voz.
— Por Zeus! Ainda não estou acreditando! O que são estas vozes? Fantasmas?! — assusta-se a rainha.
— E vejam com que diligência arrumam o almoço! — falou também o pai.
— Não! Não são fantasmas! São meus servos e também meus amigos. Eles que me fazem companhia durante o dia, até que a noite chegue.
— E o teu marido, querida irmã? Quero conhecê-lo! Onde ele está? — pergunta a irmã mais velha.
— Meu senhor só chega junto com a noite. — responde-lhe Psique de modo inocente.
— O quê?!! Está nos dizendo que só o vê a noite?
— Sim. Por que o espanto?
Todos se entreolharam surpresos. As vozes voltaram.
— Está tudo pronto, minha senhora. Vossos parentes já podem se refrescar.
— Ótimo! Fiquem à vontade e lavem-se, enquanto termino de preparar o almoço.
Durante o almoço conversaram alegremente.
— Minha filha... estou tão feliz por você! — dizia-lhe a mãe de forma carinhosa.
— Vejo que vosso marido é muito bom para ti, querida Psique. — comentava o rei admirado.
— Sim. Ele é adorável!
— É de admirar! Como pode um monstro ser tão bom assim? — falou a sua irmã mais velha, desejando saber mais sobre o casal.
— Ele não é um monstro! — defende-lhe Psique.
— Ora! Então já viste o rosto dele, suponho! Como ele é? — insistiu ela.
— Bem... eu não sei. — responde-lhe Psique.
— Como não sabe? — admirou-se a outra irmã.
— Eu não sei! Ele jamais me deixou ver seu rosto! Meu senhor vem ter comigo à noite, quando a escuridão o favorece...
— Pelos deuses! Isto é muito grave! — comentou a mais velha.
— Por quê?! — admira-se Psique.
— Como pode se deitar com um homem sem saber como ele é? — diz ela, erguendo-se da mesa.
— Não entendo este espanto...
— Não entende? Ora por Zeus, Psique! Está claro!
Os reis ficaram pálidos.
— Ele realmente deve ser um monstro terrível!
(Psique deixou a taça cair de sua mão).
— Cale-se, Camila! — ordenou o rei — Não assuste sua irmã!
— Ah, não! Não me calarei! Se não te importas com tua filha, eu me importo com minha irmãzinha! — disse ela demonstrando falsa preocupação.
— Camila tem razão, meu pai. — falou a outra entrando no jogo.
(No Templo de Afrodite...).
— (HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! HÁ!) Isto está cada vez mais divertido! — vibrava a deusa — Oh,sim... continue, querida Camila! Deixai-a com bastante medo!!!
(No almoço...)
Sua irmã mais velha aproximou-se bem de seus olhos e encarou-a; Psique começou a tremer.
— Lembra-te: o oráculo dos deuses revelou que tu te casarias com um monstro horrível e tremendo. E sabe o que dizem os habitantes próximos deste vale? Eles dizem que teu marido é um ser metade serpente e metade homem, que te nutres, por enquanto, com alimentos deliciosos a fim de devorar-te depois. Dizem por aí, que ele já fez isso com outras moças, antes de ti. Ele tem um poder tão grande, que consegue seduzi-las deixando-as apaixonadas; a ponto de duvidarem que ele seja um monstro... e, quando elas menos esperam, e quando já estão bem gordas... ZÁSSS!!!(Psique dá um pulo) Ele se alimenta delas!
(Psique imaginando-o)
— Ai, não! — grita Psique.
— Como conseguiste se informar sobre isso? — quis saber o rei.
— Desde que minha irmã se casou com ele, que eu venho me informando. — mentiu ela.
— Pára com isso, Camila! — repreende-lhe a mãe.
A irmã calou-se. Já conseguira o que queria; semear a desconfiança no coração de Psique.
— Psique precisa se defender desta coisa abominável, mãe! Ela não pode permitir que este monstro a devore, como fez com as outras! — insiste a sua irmã do meio.
— O que eu faço?!! — gagueja Psique.
— Psique, me ouça com atenção. Ouve nosso conselho, pois te amamos muito: Arme-se com uma faca afiada e arranja uma lâmpada. Esconde-as de maneira que teu marido não possa achá-las e, quando ele estiver dormindo profundamente, sai do leito, traze a lâmpada e vê, com teus próprios olhos, se o que dizem é verdade ou não. Se for... oh, Zeus! Se for... não hesites em cortar-lhe a cabeça e recuperares tua liberdade! — sugeriu ela.
Psique resistiu a estes conselhos tanto quanto pôde, mas o medo imposto sobre ela pela irmã, foi mais forte.
Quando a sua família despediu-se dela e Psique viu-se sozinha em seu mundo cheio de encanto, começou a ter terríveis pesadelos acordada; passou a imaginar-se sendo devorada a qualquer momento. E qualquer barulho que ouvia, assustava-a.
— Acho que Camila tem razão! Eu preciso me defender!
Psique, pelo adiantado da hora, sabia que o seu marido chegaria a qualquer momento e tratou logo de providenciar o que sua irmã havia-lhe sugerido. Arranjou uma faca afiada e uma lâmpada a óleo e escondeu-lhes muito bem.
Na hora em que Eros chegou, sentiu que Psique não lhe dera muita atenção e achou-a um pouco diferente das outras noites; ela não demonstrou alegria ao sentir-lhe a presença.
— E então, meu amor? Sente-se feliz, agora que viu sua família?
— Sim. Muito...
(Ele faz menção de abraçá-la, porém, ela esquiva-se)
— O que houve, querida? Por que não me deixaste abraçá-la?
— Não é nada, meu senhor. — disfarça ela — Apenas estou me sentindo indisposta hoje...
— Se é assim, não vou forçar-te a nada. Deve ser o cansaço do dia, pois as emoções foram fortes hoje, não é? — brinca Eros de forma inocente.
— Sim. É isso. Perdoe-me, querido, mas estou com muito sono... — Psique finge bocejar.
Eros deita-se ao lado dela e adormece instantes depois. Psique, então, sentindo que o marido dormia profundamente, levanta-se com cuidado e procura a lâmpada e a faca que escondera. Sua respiração estava acelerada e seu coração parecia querer pular pela boca. Ela acendeu a lâmpada e custou a virar-se, temendo o que provavelmente veria sobre o leito.
“— É agora... preciso criar coragem...” — pensava ela — “... E se for verdade o que minha irmã disse...” (Psique lembrou-se da irmã): “— Não hesites em cortar-lhe a cabeça”.
Psique foi se virando lentamente e, para seu espanto, não contemplou um monstro horripilante, mas sim... o mais belo e encantador dos deuses: com mechas douradas e macias caindo-lhe sobre os ombros, rosto corado e suave, e um belo par de asas brancas e brilhantes, que serviam de bela moldura ao seu corpo perfeito. Ele respirava suavemente, denunciando que estava mergulhado em doces sonhos, pois ele sorria. E que belo sorriso!
— Pelos deuses... — murmurou Psique para si mesma e ajoelha-se maravilhada junto ao leito — Ele é um deus... ele é Eros, o deus do amor! Ele não é um monstro...
Lágrimas brotaram de seus olhos, já que uma paz imensa invadiu-lhe o peito. Extasiada, quis contemplar-lhe o belo rosto mais de perto e aproximou a lâmpada. Sob aquela luz suave, a beleza tornou-se mais gritante; quase que irreal! Psique não tinha palavras para expressá-la...
— Meu amor... meu querido amor! — falava ela apaixonada enquanto reclinava-se sobre ele para beijar-lhe a face.
Mas... por um azar, uma gota do óleo quente cai sobre o ombro de Eros e, quando este sente o calor, acorda assustado e encara Psique. Ela também se assusta e cai no chão; com a surpresa, Psique esqueceu de esconder a faca afiada que estava segurando.
— O que pensavas fazer? — pergunta-lhe furioso — Por que esta faca?
— Faca?! Que faca... Oh não! (Ela tenta esconder a lâmina, contudo, era tarde demais)
— Tu irias me matar? — seus olhos, de um azul profundo como o céu, encheram-se de cólera — Depois de haver desobedecido às ordens de minha mãe e feito-te minha esposa, tu estavas disposta a cortar-me a cabeça?! Oh, Psique... que decepção...
Lágrimas vieram aos olhos de Eros.
— Não! Meu senhor, não! Eu posso explicar... Minha irmã, ela... ela me disse que tu eras um monstro! — disparou Psique — Eu fiquei com muito medo! Oh, meu marido... Perdoe-me!
Psique ainda arrastou-se até ele e agarrou-lhe as pernas, numa tentativa de conquistar o perdão do amado, só que Eros repeliu-lhe o gesto.
— É assim que retribuis o meu amor? Preferiste acreditar em tua irmã do que em mim?! Oh, Psique... eu não posso perdoá-la! Jamais!!! Vai! Volta para as tuas irmãs, cujos conselhos pareces preferir aos meus!
(Nessa hora, Afrodite surge entre eles, gargalhando em meio à uma nuvem espessa e brilhante).
— Eu venci! Eu sabia! SABIA!!!
— Eros! — grita Psique desesperada.
— Viu, meu filho? Agora aprendeste que os humanos não merecem o amor sincero de um deus. Eles não são dignos de confiança... — envenena-lhe a deusa.
— Isso não é verdade! — protesta Psique — Eros! EU TE AMO!!!
Afrodite ergueu a mão e fez com que Psique fosse lançada contra a parede.
— Cala-te infame!
— Pára, minha mãe!!! — implora o deus.
— Eros... deves cumprir o que me prometeste. Deixe-a para sempre!
— Sim. Eu a deixarei! Mas não a machuques!
(Afrodite solta outra gargalhada provocadora e o envolve em sua nuvem).
— Não! Eu imploro, poderosa Afrodite! Não o leves de mim! Eros! Não me deixes, por favor! — apela Psique às lágrimas.
— Eu não posso. Eu dei a minha palavra à deusa. Adeus Psique. Pois o “AMOR” não pode habitar, sob o mesmo teto onde mora a desconfiança. — diz-lhe o deus limpando a nuvem de lágrimas de seus olhos e desaparece.
— Não! Eros!!!
A gargalhada cruel de Afrodite ressoou mais uma vez no aposento e, no mesmo instante, o rico templo começou a desaparecer e ela viu-se em meio a uma terra árida e improdutiva, em vez do belo prado verdejante de antes. Psique entrou em desespero e chorava de forma inconsolável; num último recurso, chamou por ele uma última vez, mas não obteve resposta.
Restou-lhe, então, voltar ao castelo dos pais e empreendeu uma jornada longa e penosa. E certa manhã, depois de andar léguas, Psique bate à porta de sua antiga morada. Ela estava suja e maltrapilha; a mãe quase não a reconheceu.
— Psique !? — assusta-se a rainha.
— Mãe! Eu sou uma desgraçada! — disse ela agarrando-se à sua mãe.
— O que houve?— espanta-se o rei.
As irmãs de Psique ainda se encontravam no palácio, aguardando os maridos que estavam a caminho para buscá-las e ouviram tudo.
— Ele me deixou! Meu marido me abandonou!
— Por quê?! — indaga o rei.
— Porque eu dei ouvidos à Camila! Pai... meu marido não era um monstro. Era um deus do Olimpo! Era Eros!
— Oh, não! — suspira a mãe decepcionada — Pobre Psique! Que benção que perdeste, minha querida!
(À parte...)
— Você ouviu? — disse Camila à outra — Eu tinha razão!
A outra irmã estava surpresa com a revelação e, a princípio, ficou calada; porém, a inveja e a satisfação também invadiram a sua alma.
— Bem-feito. Por que a nossa irmã amaldiçoada pelos deuses, seria coroada com tanta ventura e nós, não?
— Agora que ele está livre, quem sabe não venha a escolher uma de nós?
— Nós?! Mas já somos casadas! Nossos maridos estão a caminho do palácio para buscar-nos.
— Ora, e daí? Se ele se apaixonar por uma de nós, eles não poderão fazer nada contra um deus.
— Bem... isso é verdade!
— Então, o que estamos esperando? Vamos ao “Topo-dos-Ventos”, para que Zéfiro nos leve até ele.
As irmãs de Psique partiram às ocultas, sem que os pais percebessem.
Psique tentou dormir um pouco naquela tarde, aconselhada pelos pais, mas não conseguiu; o desespero que sentia por ter perdido o seu amor era doloroso e cruel.
— Come ela está, senhora? — pergunta o rei à esposa.
— Um pouco mais calma, agora. Mas continua sofrendo com a perda que teve. Onde estão Camila e Egéria? — assusta-se a rainha.
— Não estão no palácio? — admira-se o rei.
— Estavam aqui há pouco. Onde será que elas foram?
(No alto do monte...)
— Chegamos! — falou Camila eufórica.
— Não vejo a hora de chegar ao templo e conhecer Eros! — vibrou Egéria.
Elas estavam alucinadas e, por causa da inveja e da ambição de serem amadas por um deus, ignoraram a razão e atiraram-se do precipício, pensando de Zéfiro sustentá-las, como na primeira vez que foram com os pais visitar Psique. Só que Zéfiro recusou-se em fazê-lo e para puni-las, permitiu que as invejosas irmãs se encontrassem com a morte certa, no fundo do abismo.

Capítulo 4


O caos apoderou-se da terra com a ausência do amor: os crimes haviam aumentado nos últimos dias, casais estavam se desfazendo por falta do principal sentimento que unem vidas, conspirações e guerras surgiam nos quatro cantos do mundo...
Zeus, ao ver o que estava acontecendo, convoca uma reunião extraordinária e reúne todos os deuses no Olimpo. Eros não compareceu.
— Afrodite, onde está vosso filho? Ele é uma peça fundamental nesta reunião; foi por causa dele que convoquei a todos.
— Meu filho encontra-se doente e ferido, grande Zeus. — justificou a deusa.
— É verdade, meu pai. — aproxima-se Apolo descendo de sua carruagem de fogo — Eu mesmo tratei de seu ferimento na noite passada.
Muitos deuses estavam chegando e acomodando-se sobre o monte, conhecido como o topo do mundo.
— É grave, Apolo? — pergunta Zeus preocupado.
— Grave não é, pai.
— Como? Se não é tão grave, por que ele não veio? O mundo está mergulhado em trevas; o amor abandonou o coração dos homens e Eros precisa espalhar-se novamente pelo mundo.
— Creio que a ferida no ombro não é tão preocupante, mas sim, a chaga de seu coração. — disse-lhes Atena entrando no recinto.
— Atena? O que sabes sobre isso?
— Eros é meu amigo, Zeus, e conversei com ele...
(Afrodite franze o cenho e encara Atena de forma reprovadora).
— É POR CULPA DELA QUE O MUNDO ESTÁ ASSIM. — acusa-lhe Atena, apontando o dedo para a sua rival.
— O QUÊ?! MINHA!!!? — defende-se a acusada — Ora sua “virgem mal-amada”! Como se atreve? Isto é uma calúnia.
— Sabes muito bem que é verdade, “desfrutável do Olimpo”! — retruca Atena à altura — Se Eros está infeliz e não consegue mais agir como antes, é culpa exclusivamente sua!
— Calem-se as duas! Atena, o que sabes sobre isso, minha filha?
— Eros se apaixonou, grande Zeus. Pela mortal Psique e Afrodite tanto fez, que conseguiu separá-los. — disse Atena ajoelhando-se de forma respeitosa.
— Ora! Eu só fiz cumprir a lei. Deuses não desposam mortais e ele, como deus, sabia muito bem disso. Eros conhece a lei, mas quebrou as normas e casou-se com ela. — defendeu-se a deusa.
— Por minha coroa! Se isso é verdade, Eros cometeu um grave erro! — exclama Zeus surpreso.
— E quem és tu para falar dele? — critica-lhe Hera, sua esposa — Espalhaste milhares de semi-deuses pelo mundo, deitando-se com mulheres tão mortais quanto ela.
—Ei! Calma aí! Eu nunca me casei com nenhuma delas... Ora bolas! Não sou eu que estou sendo julgado aqui, Hera!
(Começou, então, uma ferrenha discussão entre os deuses e eles se dividiram).
— Eros não teve culpa, pai! Ele se feriu com uma de suas flechas! — defendia-lhe Atena.
— Se foi assim, ele está perdido. — observa Apolo — Não há como reverter o encanto da flecha-do-amor. Uma vez atingido por ela, o amor cria raízes profundas. Eu que o diga! — encerrou o deus tocando em sua coroa de louros.
(Neste instante, chegou Hades com Perséfone e Cérbero, o cão dos infernos).
— HADES?! Que história é esta de vir em uma reunião dos deuses com este animal? — critica-lhe Zeus — Aqui não é lugar para um cão de três cabeças!
— Acontece que o Reino dos Mortos também está um caos e meu animal de estimação estava ficando muito nervoso! Achei que seria bom trazê-lo para livrá-lo do stress!
(Cérbero rosnava e babava alucinado, denunciando um grande nervosismo e encarava os deuses com um fogo no olhar. Somente a força de Hades era capaz de controlá-lo).
— Ei! Segura esse bicho! — disse Zeus temeroso.
— Eu quero realmente saber o que está acontecendo! As Parcas estão trabalhando freneticamente, o rio das almas está com super lotação e as regiões infernais, nem se fala! A cada segundo, são milhares de almas que chegam e estou sendo obrigado a pagar hora extra a Caronte! Só nos Campos Elíseos que ainda disponho de lugares e, daqui a pouco, terei que permitir que almas indignas entrem nele, pois o Inferno não vai suportar! — ameaçou o deus dos mortos.
— Isso nunca! Quer transformar o paraíso dos heróis num inferno? — assusta-se Zeus.
— E o que nos sugeres, então? — intromete-se Perséfone.
— Pois para mim, o mundo está um paraíso agora! Eu deixava tudo como está! — comenta Ares, o deus da guerra. — Adoro ver sangue! — seus olhos brilharam de satisfação.
— Por que não és tu que estás à frente do reino dos mortos, seu louco! — retruca-lhe Hades horrorizado.
(Gerou-se nova discussão: acabar ou não com as guerras. Zeus já não estava agüentando mais...)
— Eu não acredito! Toda esta confusão por causa de uma flecha? — dizia ele apertando a sua fronte — CALEM-SE TODOS!!! CHEGA!!!! — berrou ele tentando recobrar a calma.
(Eles se calaram ao som de sua voz autoritária e Zeus ergue-se do trono).
— Afrodite! Eu exijo a presença de Eros nesta reunião! Quero ouvir a sua versão desta história.
— Eu não sei se ele poderá vir...
Zeus não deixou ela terminar.
— Isto é uma ordem, Afrodite! Não ouses me desobedecer!
Afrodite não teve escolha e muito contrariada, trouxe Eros até a presença do deus supremo do Olimpo.
Eros ainda estava com o ombro enfaixado, mas o ferimento não era perturbador e sim, o seu estado: Eros estava muito abatido; seus olhos e as asas brancas e brilhantes, haviam perdido todo o fulgor de antes. Todos os deuses ficaram espantados...
— Eros, deus do amor... o que houve contigo? — apiedara-se Zeus — Perdeste completamente o brilho de tua aura divina!
(Eros não diz nada, abaixa o rosto e nega-se a encarar os deuses. Afrodite mantinha-se impassível; ela não parecia preocupada com o estado do filho).
— Eros, diga-nos: por que não evitaste o caos que abateu-se sobre o mundo?
— Eu não poderia, Zeus. — fala ele quase sem voz — Não depois de tudo o que houve. O meu poder vem da alegria de viver, só que... eu perdi a alegria. Estou fraco e ferido, e jamais desejei tanto a mortalidade como agora.
— Nossa... a coisa é mais séria do que pensei! — murmura o rei dos deuses — Ele está muito deprimido...
— Mas você precisa reagir! — interveio Ártemis. — A humanidade está se destruindo, a cada dia; Anteros está dominando o mundo... quando olhamos do Olimpo, só vemos o ódio a espalhar-se sobre a terra! E tu sabes muito bem, que ele é o teu lado negro e só tu poderás aprisioná-lo!
— Que me importa! — fala ele desanimado.
— Não te importas? — Atena ergue-se de ímpeto — Nem mesmo com tua Psique? Ela está vivendo no meio do caos e poderá morrer como os outros.
Eros estremeceu ao ouvir-lhe o nome e Afrodite percebeu.
— Mas será possível?! — replica a deusa do amor — Será que, sendo a deusa da sabedoria, não sois capaz de dizer algo mais sensato? Eros não se importa mais com ela...
(Atena encara-lhe com reprovação).
— Não é verdade, mãe! Tu sabes muito bem...
— Não interessa! Fizemos um acordo, Eros! Psique provou que não te amava de verdade. Ela preferiu confiar na irmã do que em ti!
— Acordo?! Que história é esta de acordo? — pergunta Zeus.
(Afrodite conta-lhe tudo).
Zeus viu-se de pés e mãos atados, porque num acordo entre mãe e filho, ele não poderia intervir.
(No castelo dos pais de Psique...)
— Psique? Psique, onde estás? — chamava sua mãe levando-lhe algo para comer, quando percebeu que a janela estava aberta e que uma corda feita com os lençóis da cama, pendia ao vento. Sobre a escrivaninha, a rainha encontrou uma carta de poucas linhas, onde ela dizia que tinha decidido sair para procurar o seu amor pelo mundo. — Ela fugiu. Fugiu em busca da felicidade que perdeu. Oh, filha! Que os deuses a protejam!
Os pensamentos da rainha foram interrompidos por um grito de horror e ela, ao reconhecer a voz do marido, desceu imediatamente à sala do trono. Ao chegar, ela viu o rei batendo em seu peito e lamentando a sorte de suas duas filhas mais velhas, que jaziam sem vida e mutiladas pela queda do precipício. A rainha não suportou a dor e gritou da mesma forma, agarrando-se à ambas e amaldiçoando céus e terras, pela desgraça que abateu-se sobre a família.
— Oh, deuses! O que fizemos para merecer tal castigo? — desesperaram-se os reis.
Enquanto isso, Psique caminhava errante pelo mundo: viu cidades serem destruídas, pessoas mutiladas e assassinos cruéis, que matavam sem piedade.
— O que está havendo com o mundo? O que aconteceu? Que caos é este?
Apavorada, procurou um caminho mais seguro entre as montanhas.
Aconteceu, então, que enquanto ela caminhava sobre o local, avistou de longe um templo. Deduziu, pois, que talvez fosse o templo de seu amado, onde vivera os dias mais felizes de sua vida e correu para lá com o coração palpitando de ansiedade. “Talvez tenha encontrado o templo onde morei com o amor. Pode ser que seja; em algum lugar ele deve existir...” — pensou cheia de esperança. Mas quando se aproximou, viu que não se tratava do mesmo templo. Ele tinha outra arquitetura, mesmo assim, Psique resolveu entrar para matar a curiosidade e percebeu que era um templo consagrado à Deméter, deusa da terra, uma vez que espalhados pelo chão viu muitos feixes de trigo e cevada, outros frutos da terra e alguns ancinhos e foices e demais instrumentos de ceifa. De certo, algum camponês devoto, ofereceu-os à deusa em agradecimento pela sua boa colheita; só que já deveria fazer muito tempo, pois tudo estava seco e os instrumentos enferrujados.

Capítulo 5


Psique olhou em volta e incomodou-se com aquele estado lastimável de abandono e resolveu arrumar o lugar, pois não se conformava em ver um templo dedicado à uma deusa, tão sujo e desorganizado. Nisso, Deméter sentiu-se grata pela sua demonstração de devoção, ao arrumar e limpar o templo e apiedou-se da sorte da infeliz criatura. Desesperada e conhecendo a dor de seu coração, Démeter resolveu ajudá-la e do nada, surgiu à frente de Psique, assustando-a.
— Não temas, minha criança! — disse a deusa de forma carinhosa.
(Psique ao reconhecê-la, prostra-se por terra).
— Oh, doce Psique! Em verdade digna de nossa piedade, embora eu não possa proteger-te contra a má-vontade de Afrodite, mas posso ensinar-te o melhor meio de evitar desagradá-la. Vai e voluntariamente rende-te à tua deusa e soberana e trata de conseguir-lhe o perdão pela modéstia e submissão, e talvez ela te restitua o marido que perdeste.
Psique obedeceu prontamente e dirigiu-se ao templo mais próximo de Afrodite, onde invocou a divindade irritada. Durante o caminho, tentou fortalecer o espírito, imaginando o que iria dizer-lhe para apaziguar-lhe a fúria, compreendendo que o caso era difícil e talvez fatal, mas talvez fosse o único jeito de reconquistar o seu amor.
(Afrodite aparece diante de Psique ao responder à invocação e ao ver quem era, recebeu-a com grande ira estampada na fisionomia).
— Ah, não...Eu não acredito! Logo Tu, a mais ingrata e infiel das servas, vens a mim? — pergunta a deusa.
— Oh, poderosa Afrodite! Reconheço que despertei tua fúria pela arrogância de deixar-me chamar de Afrodite encarnada, e por isso, venho a ti para prostrar-me humildemente e receber de bom grado, qualquer pena que queiras impor-me. Coloco-me em tuas mãos, para que faças o que mais te aprouver, senhora da beleza indizível! — disse Psique de forma humilde.
(Afrodite sente-se balançar por aquelas palavras, porém, negava-se a perdoá-la e aproveita para humilhá-la ainda mais).
— Ora! — ri a deusa de forma debochada. — Lembraste afinal que tens realmente uma senhora? Ou talvez, vieste para ver teu marido enfermo, ainda prostrado no leito em conseqüência da ferida que lhe causou a amada esposa?
— Bondosa Afrodite! — exclama ela preocupada. — Permita-me vê-lo!
— De modo algum! Jamais! Tu não mereces vê-lo; não depois de tudo que fez.
— Oh, por Zeus! Rogo-vos piedade, poderosa Afrodite! Eu não fiz por mal... eu amo vosso filho...
— Eu não acredito em teus sentimentos por Eros, a menos que me proves o contrário.
— Pois então me diga: o que posso fazer para provar que digo a verdade? Que o sentimento do meu coração é sincero? — pede-lhe às lágrimas.
— És tão pouco favorecida e tão desagradável, que o único meio pelo qual podes merecer teu amante é a prova de indústria e diligência. Farei uma experiência de tua capacidade como dona de casa. — Afrodite pensa um pouco e ri de forma triunfal. — Vá ao celeiro de meu templo e separe as sementes; cada qual com suas características e de acordo com a categoria a qual pertencem: feijões com feijões, ervilhas com ervilhas, e assim por diante...
— Só isso? — fala Psique animada. — Isto vai ser fácil!
— Fará isso durante a noite e pela manhã, quero ver tudo separado, tal como ordenei.
— E deixarás ver meu senhor depois disso?
— Talvez... — diz a deusa de forma enigmática.
Psique, cheia de esperança, corre ao templo... mas depara-se com uma tremenda e injusta armadilha. Ao invés das sementes estarem dispostas em sacos, elas estavam todas fora dos alforjes e espalhadas por todo o templo; eram montes e mais montes de sementes diferentes, misturadas entre si. Milhares delas. Psique soltou um grito de indignação e ouviu a risada irritante de Afrodite quando esta apareceu diante dela.
— Sua tola! Pensaste que seria fácil?!
— Eu preciso mais de uma noite para separá-las todas, minha senhora!
— Uma noite, Psique. Nem mais, nem menos... — sentenciou a deusa implacável e desapareceu.
Psique começou a chorar. Não sabia nem por onde começar diante de tanto trabalho e tão pouco tempo para que este fosse feito.
— Nunca mais verei meu amor... estou perdida... — desespera-se a jovem.
Zéfiro, que tudo vê, ouviu o choro distante e, aproximando-se suavemente, reconheceu quem era. Morrendo de pena, dirigiu-se à bela jovem e Psique, contou-lhe o seu tormento e a ira implacável da deusa do amor.
— Pobre Psique! É impossível para ti tal feito!
— Ela quer me separar de Eros para sempre, Zéfiro...
— Aquieta-te, minha criança. Tentarei ajudar-te de algum modo...
Zéfiro foi até Eros e contou-lhe o que estava se passando. Eros ficou muito revoltado.
— Como minha mãe ousa fazer tal coisa? Psique não é deusa para fazer tudo em uma noite! Minha mãe já está passando dos limites!
— Por isso, achei por bem contar-lhe.
— Fizeste bem meu amigo. Eu vou ajudá-la; mas minha mãe não pode saber.
Zéfiro sentiu que um vigor inesperado apoderou-se de Eros. Como se ele tivesse renascido das cinzas da tristeza. A vontade de ajudar e o amor por Psique — ainda mais sabendo que ela veio procurá-lo e estava disposta a provar os sentimentos por ele — fizeram-lhe recuperar as antigas cores e sua alegria.
Psique continuava desesperada e olhando alucinada para o alto monte de cereais à sua frente, quando apareceu uma formiga solitária e pegou a primeira semente. Minutos depois, outras mais surgiram e começaram a trabalhar. Diligentemente elas começaram a separar grão por grão. Psique admirou-se com aquilo e queria entender o que estava acontecendo, logo; milhares delas aproximaram-se do montão de cereais e separaram cada qual de acordo com sua qualidade.
Quando amanheceu e Afrodite foi ver o resultado da prova imposta à Psique, ficou boquiaberta. Em uma noite, a jovem havia separado tudo tal como lhe ordenara.
— Não é possível! Isto está muito mal contado!
— Posso ver meu senhor, agora? Cumpri o que me pediste...
(Afrodite encara-a)
— Não. Ainda é cedo para isso, querida.
— Mas tu prometeste... —argumenta a moça.
— Eu não prometi nada. Disse-lhe “talvez”... Eu preciso de mais provas, pois fazer isto em uma noite é impossível aos mortais. Isto não foi obra tua, desgraçada, mas daquele que conquistaste para seu infortúnio e para o teu!
— Eros não teve nada com isso! Fiz tudo sozinha!
— Veremos, minha cara!
(Afrodite desaparece e surge diante de Eros).
— Traidor! Ajudaste a tola mortal! Aposto!!! — acusa-o.
— Ajudei-a sim! Impuseste-lhe uma prova muito injusta, minha mãe! — retruca o deus.
— Ora! Achaste injusta tal prova?! Pois irei dar-lhe uma prova muito pior pela tua insolência!
— Não faça isso mãe! — pede-lhe o filho.
— Sim o farei! E se ousares ajudá-la outra vez, vou matá-la para que não fiques com ela!
Quando a mãe sai Eros invoca Zéfiro.
— Chamou, meu caro Eros? — o vento-oeste percebeu a aflição do jovem deus. — Por Zeus! Estás pálido...
— Zéfiro, ajude-me! Minha mãe quer castigar Psique com provas impossíveis aos mortais e eu não posso mais ajudá-la, porque ela ameaçou matar Psique se eu o fizer...
— Nossa! Tua mãe é terrível! Pelos deuses! O que faremos?
— Os deuses! É isso! Zéfiro, por favor, peça a ajuda dos deuses por mim! Fale com Atena, Apolo, sei lá! Fale com aqueles que estão preocupados com a situação do mundo!
— SIM! Eu vou! Precisamos por um fim nisso!
(Zéfiro parte...).
Na manhã seguinte, Afrodite chamou Psique e disse-lhe:
— Olha para aquele bosque que se estende à margem do rio. Ali encontrarás carneiros pastando sem um pastor, cobertos de lã brilhante como ouro. Vai buscar-me uma amostra grande daquela lã preciosa colhida de cada um dos velocinos. Quero fazer para mim uma bela túnica dourada. Ficarei linda! — diz-lhe a deusa mirando-se no seu espelho e admirando sua beleza.
Psique afasta-se e Afrodite olha-a pelas costas com um ar de triunfo nos lábios.
—“Minha cara, princesa... não sabes o que te esperas...”
Docilmente, Psique dirige-se ao rio pensando: “perto da primeira prova, isto vai ser fácil...”.
O rio deus, porém, impediu-a, mostrando-se revolto e assim, não permitir sua passagem.
— Oh, donzela duramente experimentada! Não desafies a corrente perigosa... — surge o deus das águas cristalinas, assustando-a. Psique cai por terra e prostra-se.
— Oh, por favor, deus do rio! Eu preciso agradar minha senhora, para que ela me devolva o meu amor! Não impeças minha passagem!
— Também peço-te que não te aventures entre os formidáveis carneiros da outra margem, pois se trata de uma armadilha de Afrodite.
— Armadilha? — gagueja a jovem. — São apenas uns dóceis carneiros...
— Não se deixe enganar pela aparente doçura deles. Eles são carnívoros e enquanto estiverem sob a influencia do sol nascente, são dominados por uma raiva cruel, de destruir os mortais com seus chifres aguçados ou seus rudes dentes!
— QUÊ?! — espanta-se Psique.— Pelos deuses! Ela quer me matar!!! — diz Psique tremendo e sentindo faltar-lhe a força das pernas com o inesperado aviso.
— Quando, porém, o sol do meio-dia tiver levado o rebanho para a sombra e o meu espírito sereno o tiver acalentado para descansar, podes atravessar entre eles sem perigo e encontrarás lã de ouro suficiente, nas moitas de arbustos e nos troncos das árvores. — adverte-lhe o deus.

Capítulo 6


Assim, o bondoso rio-deus ensinou-lhe o que deveria fazer para executar sua tarefa e, seguindo as instruções, ela em breve voltou para junto da deusa com os braços cheios de lã de ouro. Afrodite ficou surpresa...
— Aqui está a lã que me pediste, senhora.
— Como? Como conseguiste?!! — fala a deusa incrédula.
— Posso ver Eros agora?
(Afrodite encara a jovem com um ar de ira e foi implacável ao responder-lhe a pergunta).
— De modo algum! Não o verás tão cedo, minha cara! Não, enquanto não convencer-me dos teus sentimentos por meu filho.
— Mas... eu cumpri a prova, contudo, parece que minha senhora não quer cumprir com sua palavra...
— Como ousas, insolente?!!
Psique encolheu-se diante da fúria da deusa e pediu perdão pelo o que disse...
— Perdão, poderosa Afrodite! Eu não falei por mal! Perdoe-me! — diz a jovem às lágrimas.
Afrodite sentiu-se a toda-poderosa, diante da fragilidade da jovem, e humilhou-a com palavras infames e severas. Acrescentando depois...
— Sei muito bem que não foi por teu próprio esforço que foste bem sucedida na prova, e ainda não estou convencida de que tenhas capacidade para executares sozinha uma tarefa útil. Não permitirei que te aproximes de meu filho...
(A deusa fez uma pausa e, estendendo suas mãos, fez surgir do nada uma caixa).
— Toma esta caixa e vai às sombras infernais e entrega-a à Perséfone, dizendo: “ minha senhora Afrodite quer que lhe mandes um pouco de tua beleza, pois, tratando de seu filho enfermo, ela perdeu alguma da sua própria.” Não demores a executar o encargo, pois preciso disso para aparecer na reunião dos deuses e deusas, que Zeus convocou para esta noite.
— O quê?!! Queres que eu vá às regiões infernais? Mas eu não posso! Só os mortos que...
— É mesmo... Bom... se não tem outro jeito... MATE-SE! — desafia Afrodite. — Prove o seu amor por meu filho; renuncie à sua própria vida e acreditarei nos teus sentimentos por ele. Se cumprires sem temor esta prova, posso pensar em abençoá-los e com isso, ressuscitá-la se for do meu agrado. Será a sua última prova.
(Psique olha-a incrédula e aflita).
— É pegar ou largar, querida! — debocha ela.
(Psique, recobrando a coragem, pega a caixa das mãos da deusa e sai).
Afrodite riu de forma cruel.
— Que maravilha! Vou livrar-me desta tola para sempre!
Psique ficou certa de que sua perda era, agora, inevitável, obrigada a ir com seus próprios pés diretamente ao Érebo. Jamais veria o seu amor, pois nenhum ser humano voltava do reino dos mortos. Somente os deuses e semi-deuses iam e vinham de lá, sem sofrer qualquer fatalidade.
Assim, para não adiar o inevitável, dirigiu-se ao alto de uma elevada torre e de lá, iria precipitar-se de maneira a tornar mais curta a descida para as sombras.
— A fúria de Afrodite é implacável e não posso mais suportar. Sei também, que ela nunca irá me ressuscitar, por odiar-me tanto... Adeus, meu querido amor... Tu me ensinaste a amar e pela primeira vez, me senti amada quando não tinha mais esperanças de ser feliz... — Psique começou a chorar. — Talvez, os deuses do inferno tenham piedade desta alma aflita e não me punam, fazendo-me voltar ao meu corpo... Oh, deuses! Entrego-me a vossa vontade...
(Entretanto, antes que Psique se jogasse da torre, Zéfiro impede-lhe).
— Não faça isso! Pare, Psique!
— Zéfiro?!!
O vento-oeste sustentou-a e não permitiu que ela caísse.
— Por que, desventurada jovem, pretendes pôr fim aos teus dias de modo tão horrível?
— Eu não tenho mais esperanças! Eu não posso contra a fúria de uma divindade irritada!
— E que covardia faz desanimar diante deste último perigo, quem tão milagrosamente venceu todos os outros? Ouça, doce Psique: Vim da parte de teu marido, ensinar-te como podes, através de certa gruta, chegar ao reino de Hades e evitar os perigos do caminho; passar por Cérbero, o cão de três cabeças, e convencer Caronte, o barqueiro do rio das almas, a transportá-la por suas águas e trazê-la de volta, ilesa.
— Eros enviou-te? — sorri Psique cheia de esperança. — Então... isto significa que...
— Sim, bela menina! Teu amor já a perdoou por amar-te tanto... — diz o vento emocionado. — Tanto é assim, que ele fez com que as formiguinhas a ajudassem no templo e implorou aos deuses, que lhe fossem favoráveis e também a auxiliassem... Lembra-te do rio deus? E a reunião que Zeus convocou para esta noite é justamente para tratar do vosso caso. O deus supremo quer resolver a questão, da melhor maneira possível.
— Oh, Eros... Meu amor... — suspira ela.— Sempre estiveste por trás de tudo...
— Agora... ouça com atenção... quando Perséfone te der a caixa com sua beleza, tem cuidado, acima de todas as coisas, para que de modo algum abras a caixa e não permitir que sua curiosidade olhe o tesouro de beleza das deusas. Ei! Você entendeu?
— Sim! Eu entendi! — diz ela eufórica, mas a sua ansiedade era tanta, que ela não deu muita atenção àquelas palavras.
Animada por estas palavras, Psique seguiu todas as recomendações e chegou sã e salva ao reino de Hades. Foi admitida no palácio dos deuses do limbo e sem aceitar o delicioso banquete que lhe foi oferecido, contentou-se com um pedaço de pão para alimentar-se e regressar da viagem. Transmitiu o recado de Afrodite e a caixa lhe foi devolvida sem demora, fechada e repleta de coisas preciosas. Psique voltou pelo mesmo caminho e sentiu-se feliz quando viu outra vez a luz do dia.
— Eu consegui! Cumpri a prova! — comemora ela e olha para a caixa. — O que foi mesmo que Zéfiro me disse para tomar cuidado?
Naquele instante, a caixa começou a emitir um brilho azul e chamava-a por seu nome, como se desejasse tentá-la. Psique sentiu-se arrebatada e perdeu a noção do tempo e do espaço, ela parecia hipnotizada pela força misteriosa daquele objeto. Dominada por intenso desejo de examinar o conteúdo da caixa e usar um pouco daquela beleza, para parecer mais bela aos olhos de seu deus, ela abriu cuidadosamente a caixa.
Já recuperado, Eros teve uma visão do que ela estava prestes a fazer e arrancando o curativo do ombro, voou em direção às nuvens. Mas, quando a encontrou, era tarde demais. O infernal e verdadeiro sono eterno libertou-se da prisão e tomou posse de Psique, fazendo com que ela caísse fulminada, no meio do caminho.
— Psique!!! — berra o deus ao vê-la caída, como um cadáver sem senso de movimento.
Mas ele era um deus e não suportando mais a ausência da amada, usou o seu poder divino para reanimá-la. Beijando-lhe os lábios frios, retirou todo o sono de seu corpo aspirando-o e fechou-o de novo na caixa. Psique abriu os olhos e encarou-o surpresa.
— Eros! — diz-lhe sentindo os olhos úmidos pela emoção do reencontro.
— Mais uma vez quase morreste, devido à mesma curiosidade. — repreende-lhe o seu marido.
— Eu só queria ficar mais bonita para ti, meu amor. — justifica a jovem.
(Psique toca-lhe o ombro para certificar-se de que não é um sonho e ver-lhe a clara cicatriz).
— Para mim tu és linda da maneira que é, minha querida! Não precisas da beleza das deusas para impressionar-me! — diz o deus sorrindo e deixando a raiva de lado. — Agora vá e executa exatamente a tarefa que lhe foi imposta por minha mãe, que eu cuidarei do resto.
(Então, Eros rápido como um relâmpago, penetra nos céus e some das vistas).
Psique fez conforme ele disse; levou a caixa para Afrodite.
Antes da reunião, Eros apresentou-se diante de Zeus com sua súplica e o deus supremo do Olimpo ouviu-o com benevolência.
— Então a tua mãe impôs três tarefas à Psique, para assegurá-los de que lhes abençoaria a união? Tarefas estas, que ela cumpriu com louvor pelo que me disse...
— Sim, grande Zeus. Psique provou verdadeiramente os seus sentimentos por mim, mas minha mãe não quer admitir sua derrota.
(Os deuses foram chegando um a um e surpreenderam-se com a recuperação de Eros, até sua mãe).
— Mas o que fazes aqui? Deverias estar de cama, Eros!
— Ora e por quê? Ele me parece muito bem! — desdenha Atena aproximando-se. — Quer aprisionar teu filho para sempre, Afrodite querida?
— Ora! Cuide de sua vida que do meu filho cuido eu!
— Calem-se as duas! — grimpa Zeus. — Hermes, meu fiel mensageiro, quero que faças uma coisa por mim.
— Ordenai, senhor, pois de pronto hei de obedecer-vos.
— Traga a mortal Psique até aqui.
(Os deuses espantam-se. Nunca a uma criatura mortal foi permitido pisar, com seus pés, o monte Olimpo).
— Isto é um absurdo! — protesta Afrodite.
— Quem manda aqui, você ou eu? — retruca-lhe Zeus.
Hermes cumpriu a ordem dada e rapidamente, trouxe Psique até a presença dos deuses. Zeus acolheu-a com um sorriso amistoso e mandou que Hebe lhe trouxesse uma taça.
— Bebe isto, Psique, e sê imortal. Eros não romperá jamais o laço que atou convosco e estas núpcias serão perpétuas.
Psique olha para Eros e sorri radiante e ele, fez-lhe um sinal para encorajá-la a tomar do líquido. Afrodite ficou possessa, mas diante da decisão do deus supremo, ela nada podia fazer.
Psique bebeu e logo, diante dos olhos surpresos de todos os deuses, deu-se uma poderosa metamorfose:
Ela foi envolvida por uma luz dourada que assumiu a forma de um casulo. Os deuses protegeram os olhos diante daquela luz intensa e quando finalmente acostumaram-se com aquele brilho, viram o casulo mágico rompendo-se e, de seu interior, renasceu uma nova jovem com asas de borboleta e de uma beleza indescritível, beleza esta, de causar inveja as deusas mais belas.
— Bem, ela terá que voar para poder acompanhá-lo... — fala Zeus ao perceber que os deuses o olhavam.
— Oh, Eros! — exclama Psique feliz e estende-lhe os braços.
— Psique! — Eros abraça a amada e ficaram muito tempo agarrados um ao outro.
Os deuses ficaram emocionados e cada um presenteou Psique com um dom.
— Não estás esquecendo de nada, Afrodite? — provoca Zeus ao perceber que ela negava-se a abençoá-los. — Se era por ela ser uma reles mortal, Psique não é mais.
Muito a contra-gosto e sob a ameaça de punição de Zeus, Afrodite os abençoou.
Ambos deram as mãos e ganharam os céus. Apolo adiantou-se e, inspirado pelo grande acontecimento, deixou fluir a inspiração e declamou uma bela poesia em alusão aos dois amantes, que após tantas adversidades, conseguiram vencer os obstáculos e finalmente, viram-se juntos para sempre.
— “Seu filho, o deus do amor, logo avança,
A linda amada, em transe, conduzindo.
Após tantos labores enfrentar,
Eis que, com a aprovação dos deuses todos,
Em sua esposa eterna há de torná-la.
E de tal himeneu, irão dois gêmeos,
Juventude e Alegria, venturosos,
Muito em breve nascer; jurou-o Jove.

Quanta lenda tão bela, outrora, nesse dia
Longínqüo em que a razão tornava à fantasia
A asa multicor e, entre areias de ouro,
O rio carregava um líquido tesouro!
Quando a Mulher sem par, beleza peregrina,
Que de sofrer e amar e lutar teve a sina,
A terra percorreu, exausta, noite e dia,
Em busca de seu Amor, que só no céu vivia!


Ó mais bela visão! Ó derradeira imagem

Da estirpe celestial, da olímpica linhagem!
Mais bela que Ártemis livre de seu véu
E que Vésper erguida entre os astros do céu!
Que, no Olimpo, pudeste reluzir e ofuscar,
Embora sem um templo, embora sem altar!”

E assim, Psique ficou finalmente unida a Eros e, mais tarde, tiveram uma filha, cujo nome foi Prazer.
E depois de tantas desventuras, a humanidade finalmente reencontrou a paz, pois Eros, plenamente recuperado, voltou ao mundo e Anteros, foi precipitado novamente nas trevas por toda a eternidade.