—Minha jovem senhora, mandou que eu vos procurasse, mas primeiro permita-me: se pretendes levá-la ao paraíso dos loucos, com falsas promessas de amor... — diz-lhe a ama apontando-lhe um dedo inquisidor.
— Ama, de modo algum! Eu amo Julieta!
— Se fizeres com ela jogo duplo, realmente será uma coisa muito má, para ser feita com uma nobre senhorita.
— Ama, recomenda-me a tua senhora. Juro-te...
— Oh, que lindeza!!! — interrompe ela. — Realmente vou dizer-lhe isso mesmo! Oh, senhor... Como ela vai ficar contente!
— Mas que dirás, ama, se nem ouves o que falo?!
—Oh, é mesmo... bem... dir-lhe-ei, senhor, que jurastes, o que me parece ser uma promessa de cavalheiro.
— Diga-lhe que procure pretexto de ir à cela de Frei Lourenço, na abadia de São Pedro, ainda esta tarde, onde há de confessar-se e casar!
— Oh! Não acredito? — ri a ama eufórica e batendo palmas. — És um perfeito cavalheiro, senhor! Honrado e mui polido! Minha menina finalmente irá casar-se e com quem de fato ama! Bem, ela estará lá!
— Venha também, para servir-lhe de testemunha!
— Sim! Mil vezes sim!
Ela ia se retirando.
— Ah, ama! Espera!
— Sim?!
— Dentro de uma hora, quando vieres com a senhorita Julieta, atrás do muro da abadia, irás ver meu criado com uma escada de cordas, que há de levar-me ao quarto dela, na calada da noite, para que a ela faça minha esposa, evitando assim, qualquer processo de anulação movido por nossas famílias. E depois, em momento propício, que lutarei para que seja breve, fugirei com ela.
—É verdade... As famílias, tomando ciência, podem de fato abrir o processo! Mas podemos confiar em vosso criado?
— Posso asseverar-te, cara senhora, que meu pajem é tão firme quanto o aço! Confio nele, como confiaria em mim mesmo.
De repente, uma nuvem de tristeza apodera-se da velha senhora.
— Levarás minha menina para muito longe de mim, privando-me de vê-la?! Ela é como uma filha para mim...
— Entendo... — fala o jovem — Bom, nesse caso, acho que não será problema, voltaremos para buscá-la ou venha conosco, senhora, se assim o desejares...
— Oh! Deus seja louvado!!!!! Oh, meu senhor... — a ama quase ajoelhou-se aos pés do jovem , mas Romeu não permitiu, contentou-se a ama de Julieta, então, a beijar-lhe as mãos deixando-o sem jeito.
— Senhora, não, por favor...
— Oh, posso dizer que minha patroinha é uma menina muito gentil! — ela o abraça. — Oh! Senhor, senhor! Quando ela ainda era uma coisinha tagarela...
— Tenho certeza que sim, por isso encantei-me por ela!
— Na cidade há um nobre chamado Páris, que de bom grado, lançaria seu arpão para pegá-la. Mas aquele coraçãozinho prefere ver um sapo, um sapo de verdade, a olhar para ele! Às vezes a deixo irritada, ao dizer-lhe que não há moço tão bonito em toda Verona. E quando digo isso, ela fica logo pálida!!!
— Recomenda-me à tua senhora.
— Recomendarei.
— Toma —Romeu estende-lhe uma moedinha de muito valor.
— Ah, não, senhor! Nenhuma moeda! Fiz o que ela me pediu, por amor à minha filhota preciosa... Não posso aceitar...
— Por favor, cara ama aceite! Sei o quanto vos arriscastes para vir aqui.
Ela ainda reluta, contudo, por fim aceita.
— Que Deus do céu vos abençôe, obrigada!
— Adeus e conserva-te fiel, que eu saberei recompensar-te. Dá recomendações minhas à senhorita Julieta.
— Sim! Sim! Adeus!
A ama se despede e chama por Pedro, volta-se, e sai cantarolando feliz para a casa dos Capuleto.
— Nove horas tinha soado, quando mandei a ama. Prometeu-me que voltaria dentro de meia hora. Talvez não o encontrasse... Oh, ela é coxa! Se dotada fosse ela de paixões e sangue moço, correria veloz como um cavalo; mas gente velha nunca chega ao porto; é chumbo escuro e lerdo, quase morto — reclamava Julieta quando ouviu vozes adentrando o portão.
— Se o encontrar outra vez, eu o demolirei, ainda que seja forte como um touro! Tipinhos desavergonhados! E tu? Como podes tu permitir que qualquer velhaco faça de mim o que bem entender? Criado incompetente! És pior que todos eles juntos!
— Nunca vi ninguém fazer de vós o que bem entendesse! Aliás, vosso leque foi melhor que minha espada!
— Ora, cala-te!!!
— Oh, Deus! Ei-la afinal! — comemora Julieta. — Ama! Ama! E então, que novidades trouxeste?! Acaso o viste? Manda embora o teu criado...
— Pedro, deixe-nos.
O criado sai resmungando.
— Então, amazinha? Oh, céus! Por que estás triste? De quem falavas com tanto amargor? Se forem tristes tuas novidades, conta-as alegremente! Agora, se alegres as mesmas forem, não estragues com uma cara tão tétrica!
— Oh, que corrida!!! Deixai-me repousar por um momento! Como os ossos me doem, estou cansada... — fala a ama de propósito, para aumentar-lhe a expectativa.
— Quisera que tivesses os meus ossos e eu, tuas novidades. Vamos, peço-te boa ama, fala logo!
— Quanta pressa, Jesus! Não podereis esperar nada? — fala ela subindo as escadas. — Não notais que estou sem fôlego?
— Como sem fôlego, se estás com fôlego o bastante, para me dizer que estás sem fôlego para falar? Tuas notícias são ruins ou boas?
A ama entra no quarto de Julieta e tira o véu e a deixa falando sozinha.
— Anda ama! Fala! Que te disse meu amor? Que disse Romeu? Responde-me logo isso!
— Credo! Quanto ardor! É falta de casamento, eu acho! Deixe-me beber um pouco d’água! Oh, que dor de cabeça! Como bate! Parece que vai estalar em vinte pedacinhos!
— Contrista-me saber que não estás bem. Mas, minha doce ama, que disse meu amor sobre o casamento?
— Vosso amor disse, como cavalheiro honesto e cortês, bondoso, belo...
— Sim... — os olhos de Julieta brilhavam.
— E posso assegurar-te: virtuoso... é... onde está vossa mãe?!
— Como?! Onde está minha mãe? Está no quarto dela, ora! Onde deveria estar?! Oh, que resposta! “Vosso amor disse, qual cavalheiro honesto, onde está vossa mãe”?!!! Quantos rodeios!!! E Romeu, que disse?
— Vem cá!
A ama fez um sinal para ela, para que se sentasse ao lado dela na cama.
— Tens licença para confessar-se hoje à tarde? — pergunta a ama.
— Tenho.
— Não percamos tempo, então, e à cela correi de Frei Lourenço, onde um marido achareis, que vos fará mulher!
Julieta abraça-a feliz.
— Sim, minha pequena! Vosso eleito vos espera! Ora! — ri a ama. — Vos sobe ao rosto o sangue escarlate?! Anda! Correi à igreja, que já vos sigo para servir-lhe de testemunha.
— Oh, querida ama! Obrigada!
Julieta troca seu vestido por um de passeio, pega um véu e sai às pressas.